um daqueles momentos
Observo a chuva cair, sentada naquele banco de praça. As gotas d’água pontilham a minha roupa, e logo me encontro totalmente submersa em lembranças. Noites passaram naquele banco, entre garrafas de vinho, discussões, um aniversário, um tempo, uma reconciliação… Outro aniversário, mais beijos, mais discussões, um término.
E então eu, encharcada pela chuva.
Vejo a água que escorre pelo meu corpo e imagino que ela pode me envolver, me desfazer, fazer eu ser água também. Para eu me desmanchar, deságuar, desparecer na terra, aparecer no oceano, deixar de ser eu e passar a ser tudo. Para não sentir tanta dor, tanta desolação, tanta solidão. Por um instante, até parece possível.
Mas não, ainda estou naquele banco. Agora tremendo de frio.
Escutando a chuva cair eu me lembro daquela música, Riders on the Storm*, e o trecho que sempre me incomodou:
Garota você tem que amar seu homem
Pegue-o pela mão
Faça-o entender
Que o mundo em você depende
Nossa vida nunca acabará
Você tem que amar seu homem.
Sempre fui atraída por essas linhas, apesar do incômodo que elas causavam pela falta de continuidade com o restante da letra. Mas sentada naquele banco, naquele estado, eu encontrei uma conexão, um sentido satisfatório o suficiente para me fazer sorrir.
E eu sorri, um sorriso sincero, enquanto a chuva continuava a cair. Imperdoavelmente, a água lava não só as ruas mas as lembranças e as almas, daqueles que se permitem molhar. Pensava nisso quando senti uma mão tocar o meu ombro.
“Você vai ficar doente”, disse o dono da mão.
Olhei para ele. Também estava encharcado. Outro viajante na tempestade, um assassino na estrada, ou apenas um homem. Peguei-o pela mão.
“Não, eu estava doente! Agora estou bem”, respondi.
Ele sorriu também.
Foi um outro início. E um daqueles momentos que seriam lembrados, quando tudo terminasse.
Porque tudo é amor, tudo termina, e toda água deságua no mar.
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