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flor da serra

woman

a moça serena,
segura na trilha,
uma flor de manacá¹:
planta de porte mediano,
de florada exuberante,
que desabrocha branca.

no alto da montanha,
deslumbrada pelo mel,
alimentada pela seiva,
a flor selvagem muda,
se torna cor de rosa.

como a mulher nua,
de palavras puras
que saem da boca,
escorrem pelo corpo;
como a água que brota,
da pedra que chora,
e se transforma.

na morada do diabo,
no leito do pecado,
com indiscretas perguntas a
desconcertar, desarmar, expor
indefesa flor roxa escura.

cor da pele marcada,
de vestígios que ardem,
queimam,
despertam desejo:
por controle,
por falta de controle,
por luxúria,
num ritual de fogo.
a misturar céu e inferno,
a dissipar sombra e neblina,
a trazer som e fúria²,
e então nada.

mulher dessas,
não tem raízes na terra.
quer ver o lado do mar,
banhar-se no desconhecido,
navegar em águas profundas
e então levitar pelos ares,
escapar pelos dedos,
ir embora,
fugir.

porque tem medo.

medo de cair.
medo do abismo infinito.
medo da nuvem branca,
que aparece súbita e úmida,
para engolir a vida.

vertigem³.

e a flor do manacá seca.
despedaça, despetala.
e cai, morta, desconexa.
sem vida.
sem vento.
sem nexo.
sem sexo.
de encontro ao chão.

porque a queda,
esta é inevitável.

resta apenas,
insegura moça,
na trilha serena,
soltar a flor,
que é da serra…

e aprender a cair.

–*–

¹ O Manacá da serra é uma árvore presente na mata atlântica brasileira, dominante nas florestas secundárias, cujas flores mudam de cor, do branco ao roxo passando pelo rosa.

² “A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum” ou ainda “por um louco, cheia de som e fúria, significando nada“. Trecho de Macbeth, Shakespeare, que inspirou o título do romance O Som e a Fúria de William Faulkner.

³  Milan Kundera descreve o sentido de vertigem utilizado aqui em um trecho de A Insustentável Leveza do Ser: “O que é vertigem? Medo de cair? Mas porque temos vertigem num mirante cercado por uma balaustra sólida? Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados.

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