Conheci ele na padaria. Eu havia saído com pressa e de qualquer jeito, apenas para comprar pão ali na esquina de casa. Ele estava impecável como sempre, e quando o vi amaldiçoei-me por não ter me arrumado melhor. Ainda assim o meu estado lamentável não o impediu de encarar meus olhos e esboçar um sorriso. Já o conhecia de outros encontros passageiros, talvez ele soubesse que por trás daquela aparência havia um ou dois traços que valiam a pena serem decifrados.
Ele era um charmoso homem mais velho, ex-marido de algumas mulheres e amante de tantas outras. Em minhas fantasias, era o perfeito anti-herói romântico que eu gostaria de amar. Não desviei os olhos, e apesar do meu rosto que começava a corar, eu retribuí o sorriso encantador. Algumas palavras ensaiadas e o encontro já possuía data marcada. Um café especial, um vinho capitoso e logo não pude resistir ao impulso arrasador da voz grave e avelulada que sussurava ao meu ouvido: entreguei-me aos seus habilidosos e tentadores lábios.
Lady Caroline sabia o que dizia quando descreveu homens assim: “malucos, maus e perigosos em se conhecer”¹. Inesquecíveis também, como tive a prazerosa oportunidade de descobrir. É um risco se interessar tanto por uma pessoa tão complexa e imperfeita, ao ponto dela se tornar tão fascinante os olhos de uma ingênua romântica como eu. Não tive chance alguma. Um muito honorável poeta, um amante bárbaro. É possível não se deixar levar por uma energia tão selvagem, com um magnetismo tão misterioso quanto sedutor?
No entanto tem algo eu devo admitir: apesar de toda a poesia envolvida, não é uma paixão lírica². Não me inspira todas as doces palavras de amor que habitam as pilhas de cartas que jazem ao lado da minha cama e nunca serão enviadas. É uma atração épica, um desejo descomunal que perverte as palavras que eu escrevo entre os risos abafados e uma dose e outra durante a madrugada. Eu não procurava me encontrar naquela criatura incorreta, não lhe entregava mais do que o meu corpo. Mas a cada relação eu conhecia mais sobre eu mesma e sabia melhor o que eu queria para a minha alma.
¹ O herói byroniano é um personagem idealizador, mas imperfeito, exemplificado na vida e nas obras de Lord Byron, importante poeta romântico, e caracterizado por sua ex-amante Lady Caroline Lamb que disse tal frase antes de ter um relacionamento com ele. [Veja a lista de características de um herói byroniano na Wikipedia]
² Milan Kundera usa os termos “lírico” e “épico” para distinguir dois tipos de amantes. Os líricos procuram a si próprio no outro, buscam o ideal e se frustram constantemente, já que é impossível encontrar a perfeição. Os épicos tem sede de novos conhecimentos, não buscam a perfeição. São colecionadores de curiosidades, desejam descobrir o que torna cada pessoa única. [Leitura adicional: Sedutor Lírico x Sedutor Épico]